Ítalo Calvino – Seis propostas para o próximo milênio.
O simbolismo é um fenômeno estético literário que se destaca na segunda metade do século XIX, porémque se irradia pelo começo do século XX, até o grande marco do modernismo, em 1922.
Caracterizou-se pela vasta aplicação de recursos das artes plásticas em geral, das quais se aproxima como gênero, como por exemplo, a musicalidade com a qual se preocupavam os poetas na utilização de recursos lingüísticos.
Numa tentativa de ubicação e contextualização históricas, poder-se-ia afirmar que o Simbolismo é um movimento literário com intensa reação ao Determinismo, ao Realismo e ao sistema positivista como um todo que caracterizara o último quartel do século XIX. Manifesta-se, principalmente, em rechaçar a "sensibilidade figurativista[1] do Realismo", causando estranheza a críticos literários cujo olhar já estava condicionado àquela estética predominante até então.
Apresenta-se sempre uma questão problemática a classificação deste ou daquele poeta, mas deve-se falar em predomínio ou na presença de determinado ideário estético neste ou naquele poeta. Assim, o Simbolismo possui tangência com os ideais românticos, porém agrega a esse movimento a busca da formalidade e uma maior preocupação formal, tanto no verso quanto na prosa do período. Pode-se falar também que o Parnasianismo deixa suas marcas indeléveis sobre a produção dos Simbolistas, porém estes agregaram à preocupação formal o viés místico e a lente através da qual coisas concretas se mostram como símbolos de realidades secretas.
Na busca pela estética própria das artes plásticas, houve a criação de um instituto que o caracterizasse, que foi o símbolo.
O símbolo, nos dizeres de MASSAUD MOISÉS é a instância artística própria a explicar a realidade que é sempre caótica. Assim, dado que a evocação de tal realidade se dá de modo indireto, o símbolo é a unidade escolhida, pois trabalha sempre com representação que só ocorre ante a ausência do objeto focado.
Principais características da escola literária
A)Quanto à temática:
1.ATMOSFERA VAGA
A sugestão é o caminho trilhado pelo poeta simbolista.Na esteira do poeta francês Mallarmé, para quem "Nomear um objeto é suprimir três quartos do prazer do poema, que é feito da felicidade em adivinhar pouco a pouco; sugerir esse objeto, eis o sonho...deve haver sempre um enigma em poesia, e é o objetivo da literatura – e não há outro -evocar os objetos."
O plano de fundo para tudo isso é a incerteza que permeia a existência humana.
É exemplo o soneto de Cruz e Souza:
CARNAL E MYSTICO Pelas regiões tenuissimas da bruma Vagam as Virgens e as Estrellas raras... Como que o leve arôma das seáras Todo o horisonte em derredór perfume. N'uma evaporação de branca espuma Vão diluindo as perspectives claras... Com brilhos crus e fúlgidos de tiáras As Estrellas apagam-se uma a uma. E então, na treva, em mysticas dormencias Desfila, com sidéreas lactescencias, Das Virgens o somnambulo cortejo... O' Fórmas vagas, nebulosidades! Essencia das eternas virgindades! O' intensas chimras do Desejo... Cruz e Souza
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2.MISTICISMO
Toda essa atmosfera vaga tem como corolário o misticismo, como chave da compreensão de um mundo vago, de imagens difusas, de dimensões paralelas. Assim, a experiência mística está presente em diversos poetas, porém em Alphonsus de Guimarães há uma manifestação mais direta, permeada pelo misticismo católico que é mais uma forma de escapismo.
DUENDES, TRASGOS, BRUXOS E VAMPIROS...
Os duendes, trasgos, bruxos e vampiros
Vinham ao longo e tenebroso bando,
Os meus passos de múmia acompanhando,
Por entre litanias de suspiros...
Em tudo eu via os infernais retiros,
Onde ficava sem cessar sonhando:
e Satanás mostrava-me, nefando,
Negros sinais traçados em papiros...
Era, na sombra, o meu destino oculto,
_ Sirtes, penhascos, saturnais, paludes,
Todo o mistério de um funéreo culto...
Mas, de repente, os passos meus, tão rudes,
Firmaram-se no chão, e erguendo o vulto,
Vi-me amparado pelas Três Virtudes...
ALPHONSUS DE GUIMARAENS
Ressalte-se que há um erotismo místico que estabelece uma ponto com o gozo místico barroco, no qual há a descrição de impulsos eróticos que são transmutados em experiência religiosa.
Assim temos em " ósculo de cristo" , de Alphonsus:
Noite hebréia de luar. Sobre a terra cintila
O amplo sendal do céu, pontilhado de luz.
Uma benção astral beija branca e tranqüila
A alma de Madalena e a boca de Jesus.
Dorme em paz a Betânia. Ao vento o luar oscila.
Destacam-se no horizonte atroz granitos nus.
E dum lado da floresta arvoredos em fila
No mistério da Noite, erguem braços em cruz.
"Rosa do meu amor, bendita que tu és!".
E disse ainda Jesus: "Se de mim só tu foras,
A crença e a religião ia depor-te aos pés!"
Beijou-lhe o seio e a boca e as faces tentadoras:
E o seu beijo febril dos tempos através,
Até hoje redime as almas pecadoras.[2]
3. METALINGUAGEM
Está presente em diversos autores simbolistas. Há um perfilhar do fazer poético como ato criativo e como única forma de compreender a realidade, caótica e difusa, segundo o olhar do artista. Somente a arte pode abarcar a simultaneidade do mundo através da reiteração de imagens e metáforas.
Em última análise, há a repaginação da própria arte, que havia se diluído como forma de retratar o mundo, ao adquirir métodos próprios do positivismo em detrimento do olhar o artista. É um resgate da ars poética, ou seja, o poeta é aquele que detém o saber, de como obrar, daí o termo obra, comoem obra de arte.[3]
Esse resgate abre o caminho para futuros movimentos como o Modernismo que elevou a expoente máximo os experimentos através de suas denominadas "vanguardas". A verdadeira vanguarda, no entanto, foi realizada pelos simbolistas. Sob essa nova lente, o Simbolismo torna-se um movimento de vanguarda e o dito "Modernismo" se configura como uma estética que bebe na fonte do Simbolismo.
Dessa vertente, há obras do primeiro quartel do século XX que resgatam as obras simbolistas ou fazem delas uma releitura, como é o caso do leitor Drummond:
Há também a construção da figura do poeta como um ser incompreendido pela mediocridade dos coetâneos dos autores, construindo, assim, a "teoria do poeta maldito"[4].
Quem define com maestria acondição dramática de poeta é Júlio Perneta
PUDESSEM os meus sonhos levar dentro das páginas de cada livro meu a vibração dos meus nervos de Artista, as orações em febre dos meus lábios de Asceta, as divinas blasfêmias da minha divina revolta, a estrela de ouro do meu ideal, as minhas nostalgias azuis, o arco-íris do meu Tédio, as asfixias dos meus eternos pesadelos, tudo, tudo, toda essa grande dor que dá a alma dos intelectuais a nota abandonada de uma paisagem fúnebre, toda essa tortura que lhes vincula a fisionomia à passagem de uma esperança morta. Como sonhar, se a vida é um protesto contra o sonho, se a vida é um cadafalso, onde a Miséria, algoz impertinente, nos faz agonizar cem vezes cada dia? Como sonhar?
Vale registrar nesse ponto o poeta simbolista é fruto do seu momento histórico e, assim, espelha o mal-estar diante do processo contraditório de nossa urbanização e de nosso desenvolvimento econômico, principalmente após diversos fatos históricos em cadeia, como foi o caso da Proclamação da República, da libertação dos escravos, da desilusão científica e da impotência da industrialização, aqueles no Brasil, estas em âmbito mundial.
O resumo de todo o fazer poético simbolista está registrado em Antífona, novamente Cruz e Souza:
Antífona
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras De luares, de neves, de neblinas! Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas... Incensos dos turíbulos das arasFormas do Amor, constelarmante puras, De Virgens e de Santas vaporosas... Brilhos errantes, mádidas frescuras E dolências de lírios e de rosas ... Indefiníveis músicas supremas, Harmonias da Cor e do Perfume... Horas do Ocaso, trêmulas, extremas, Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume... Visões, salmos e cânticos serenos, Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes... Dormências de volúpicos venenos Sutis e suaves, mórbidos, radiantes... Infinitos espíritos dispersos, Inefáveis, edênicos, aéreos, Fecundai o Mistério destes versosCom a chama ideal de todos os mistérios. Do Sonho as mais azuis diafaneidades Que fuljam, que na Estrofe se levantem E as emoções, todas as castidades Da alma do Verso, pelos versos cantem.Que o pólen de ouro dos mais finos astros Fecunde e inflame a rima clara e ardente... Que brilhe a correção dos alabastros Sonoramente, luminosamente. Forças originais, essência, graça De carnes de mulher, delicadezas... Todo esse eflúvio que por ondas passa Do Éter nas róseas e áureas correntezas...Cristais diluídos de clarões alacres, Desejos, vibrações, ânsias, alentos Fulvas vitórias, triunfamentos acres, Os mais estranhos estremecimentos... Flores negras do tédio e flores vagas De amores vãos, tantálicos, doentios... Fundas vermelhidões de velhas chagas Em sangue, abertas, escorrendo em rios...Tudo! vivo e nervoso e quente e forte, Nos turbilhões quiméricos do Sonho, Passe, cantando, ante o perfil medonho E o tropel cabalístico da Morte...
3.ALEGORIAS PESSIMISTAS:
Há um lirismo mortuário tanto em Cruz e Souza como em Alphonsus de Guimaraens. Este sofre a morte da mulher amada, Ismália, tema sobre o qual se debruça o poeta ao longo de sua obra:
Hão de chorar por ela os cinamomosMurchando as flores ao tombar do diaDos laranjais hão de cair os pomosLembrando-se daquela que os colhia.As estrelas dirão: - "Ai, nada somos,Pois ela se morreu silente* e fria..."E pondo os olhos nela como pomos,Hão de chorar a irmã que lhes sorria.A lua que lhe foi mãe carinhosaQue a viu nascer e amar, há de envolvê-laEntre lírios e pétalas de rosa.Os meus sonhos de amor serão defuntos...E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,Pensando em mim: - "Por que não vieram juntos?"
Quando Ismália enlouqueceu,Pôs-se na torre a sonhar...Viu uma lua no céu,Viu outra lua no mar.No sonho em que se perdeuBanhou-se toda em luar...Queria subir ao céu,Queria descer ao mar...E, no desvario seuNa torre pôs-se a cantar...Estava perto do céu,Estava longe do mar...E como um anjo pendeuAs asas para voar...Queria a lua do céu,Queria a lua do mar...As asas que Deus lhe deuRuflaram de par em par...Sua alma subiu ao céu,Seu corpo desceu ao mar
A temática macabra continua em Acrobata da Dor, de Cruz e Souza:
Acrobata da Dor
Gargalha, ri, num riso de tormenta, como um palhaço, que desengonçado, nervoso, ri, num riso absurdo, inflado de uma ironia e de uma dor violenta. Da gargalhada atroz, sanguinolenta, agita os guizos, e convulsionado salta, gavroche, salta clown, varado pelo estertor dessa agonia lenta ... Pedem-se bis e um bis não se despreza! Vamos! retesa os músculos, retesa nessas macabras piruetas d'aço... E embora caias sobre o chão, fremente, afogado em teu sangue estuoso e quente, ri! Coração, tristíssimo palhaço.
Continua a descrição da dor como uma alegoria em Eduardo Guimaraens:
Chopin: Prelúdio Nº 4
de Eduardo Guimaraens
Do fundo do salão vem-me o seu pranto sobre-humano,como do fundo irreal de um desespero hoje olvidado:dir-se-ia que estes sons têm um tom de ouro avioletado;há um anjo a desfolhar lírios de sombra sobre o piano.
Doce prelúdio! Que ermo e doloroso desenganofala, através do seu vago perfume de passado?Sobre Chopin a noite abre o amplo manto constelado:um delírio de amor anda por tudo, insone, insano!
Em cada nota solta há como um lânguido lamento.– Oh, a doçura de sentir que o teu olhar, perdido,sonha, recorda e sofre, ao doce ritmo vago e lento!
E o silêncio! E a paixão que abre em adeus as mãos absortas!E o passado que volta e traz consigo, inesquecido,um aroma secreto e vago e doce, a flores mortas![5]
B)QUANTO À FORMA:
1.MUSICALIDADE:
O poeta busca comparar o seu fazer poético com o do músico, ao compor com suas notas musicais uma obra e com o pintor, ao selecionar seu tema e a palheta de cores. Assim, imprime tais recursos à linguagem, o que é, nos causa estranheza, de certo modo, pois somos bombardeados por imagens, como reza Ítalo Calvino:
Resta-me esclarecer a parteque nesse golfo fantástico cabe ao imaginário indireto, ou seja, o conjunto de imagens que a cultura nos fornece, seja ela cultura de massa ou outra forma qualquer de tradição. Esta questão suscita de imediato uma outra: que futuro estará reservado à imaginação individual nessa que se convencionou chamar " a civilização da imagem"? O poder de evocar imagens in absentia continuará a desenvolver-se numa humanidade cada vez mais inundada pelo dilúvio das imagenspré-fabricadas? Antigamente a memória visiva de um indivíduo estava limitada ao patrimônio de suas experiências diretas e a um reduzido repertório de imagens refletidas pela cultura; a possibilidade de dar forma a mitos pessoais nascia do modo pelo qual os fragmentos dessa memória se combinavam entre si em abordagens inesperadas e sugestivas.
E continua:
Hoje somos bombardeados por uma tal quantidade de imagens a ponto de não podermos distinguir mais a experiência direta daquilo que vimos há poucos segundos na televisão. Em nossa memória se depositam, por estratos sucessivos, mil estilhaços de imagens, semelhantes a um depósito de lixo, onde é cada vez menos provável que uma delas adquira relevo.
Outra explicação para a utilização da musicalidade é o acesso fácil que a música adquire junto ao subconsciente das pessoas, acessando, assim, camadas mais profundas da sensibiidade humana, intento máximo do artista simbolista e de diversos publicitários nos dias de hoje ( "compre batom, compre batom..."
São obtidos efeitos de sentido sonoro através das técnicas abaixo:
Aliteração:sons consonantais
Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas
Cruz e souza
Assonância: sons vocálicos
Quando a manhã madrugava
Calma
Alta
Clara
Clara morria de amor. (Eugenio de Castro)
Reiteração: repetição de palavras ou versos inteiros:
Soam suaves sonolentos,
Sonolentos e suaves........ (Cruz e Souza)
2.Emprego abundante de sinestesia:
Pode-se definir sinestesia como a relação atribuída de modo subjetivo entre sensações diferentes, atribuídas a sentidos diversos. Podemos vê-las nos clássicos exemplos poeta simbolista Pedro Kilkerry
a)Palpitando aos mastros
Ao som vermelho da canção de guerra.
b)Como a doçura quente de um carinho...
c)Mas uma voz de súbito. Gemendo
Sob o silencio côncavo dos astros
Em resumo, o simbolismo foi um movimento vanguardista, no sentido em que forjou uma busca pelo novo gosto estético, revisitado, em seguida, pelos denominados modernistas. Poucas vezes ele é tratado como tal nos livros didáticos, que desmerecem o movimento literário que criou a metáfora com uma carga exponencial de sentidos, que é osímbolo [6].
BIBLIOGRAFIA
4.CALVINO, Italo – Seis propostas para o próximo milênio. Trad. Ivo Barroso –São Paulo: Companhia das letras, 1990.
5.CAROLLO, Cassiana L. Decadismo e simbolismo no Brasil. Crítica e poética. 2 v. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; Brasília: INL, 1981
6.COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro, São José, 1959.
7.FIORIN,José Luiz & SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto: leitura e redação. São Paulo: Àtica, 1998.
8.GONÇALVES, Magaly Trindade et ali. Antologia comentada da Literatura Brasileira: poesia e prosa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
9.INSTITUTO Cultural Itaú, São Paulo. Parnasianismo; simbolismo. São Paulo: ICI,
10.MONTENEGRO, ABELARDO F. Cruz e Sousa e o Movimento Simbolista no Brasil – Florianópolis, SC - Fundação Catarinense de Cultura, - 1988
11.MURICY, Andrade. Panorama do Movimento simbolista brasileiro. MURICY, Andrade.. 2 v.3ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987.
12.NETO, Raimundo Barbadinho. Antologia de textos do modernismo. Rio de Janeiro: Ao livro técnico, 1982.
13.SOUZA, Cruz e. Broquéis. Ensaio introdutório de Ivan Teixeira, São Paulo: USP, 1994.
[1] TEIXEIRA, Ivan. Cem anos de broqueis: sua modernidade.
[2]Erotismo e transgressão em Alphonsus de Guimaraens. Extraído em 15.06.08 de http://www.letras.ufmg.br/cesp/textos/(2002)14-Erotismo e transgress%E3o.pdf
[3]http://en.wikipedia.org/wiki/Ars_Poetica
[4] TEIXEIRA, Ivan, op. cit p. XXX.
[5]Blog dos Poetas : Chopin: Prelúdio Nº 4 - Poemas de escritores famosos e consagrados
[6] Há uma intensidade na busca por esse termo, mas a psicanálise jungiana é a tese que mais se aproxima do sentido artístico do símbolo: "Os símbolos "freudianos", segundo Jung, não são símbolos: são sinais. Isto porque eles se referem ao que já é conhecido, enquanto que os verdadeiros símbolos se referem ao que não é conhecido; são formas únicas e especiais de expressar alguma coisa, talvez uma aproximação entre partes antes irreconciliáveis do caráter de uma pessoa. Num nível mais cultural (isto é, não restrito a qualquer indivíduo único), um símbolo como Cristo une o etéreo e o corpóreo, o humano e o divino, o realizado e o abatido-na-flor-da-idade." , SAMUELS, Andrew
IN: http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/simbolostransformacaojung.
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