Termo referente a manuscritos medievais compostos por descrições detalhadas do mundo natural e essencialmente animal. Tal como os herbários, que consistiam em listas de ervas, flores e plantas, e os lapidários, que eram compilações de pedras e de fósseis, os bestiários retratavam os animais, pássaros e peixes, desde os mais comuns e facilmente reconhecíveis, como o leão, o corvo e o golfinho, até aos imaginários e fantásticos como o unicórnio, a fénix e a sereia. As descrições destes animais não eram fruto de uma observação directa dos mesmos, mas sim de informações retiradas de outras obras.
Tal como outros manuscritos da Idade Média, os bestiários eram copiados por monges e não eram o resultado de um único autor. À medida que eram escritos, acrescentavam-se novos animais, funcionando como um livro de notas de um naturalista, em permanente revisão.
O bestiário terá as suas raízes na tradição oral asiática, helénica e egípcia, passando por Heródoto, Aristóteles e Plínio, até chegar ao Physiologus (séc. II e III) e a Isidoro de Sevilha (séc. VI), que são os antepassados directos do bestiários medievais dos séculos XII e XIII. O Physiologus era um texto latino traduzido do grego, muito popular por toda a Europa, e que representava a versão cristã do conhecimento acumulado de historiadores naturalistas do mundo antigo, sendo uma tentativa de redefinir o mundo natural em termos cristãos. Por sua vez, a grande enciclopédia de Isidoro de Sevilha, intitulada Etymologiae, tentava explicar a origem dos nomes dos animais e teve também uma enorme influência nos bestiários.
Os bestiários mais antigos são os de Philippe de Thaon (1125), escrito em verso, o Tractatus de bestiis et aliis rebus, do séc. XII, já em prosa e, supostamente, obra de Hugo de San Víctor, e o De animalibus, do séc. XIII, atribuído a Alberto Magno. Em Portugal o uso da simbologia dos animais encontra-se nos sermões de Santo António e, mais tarde, no Horto do Esposo, obra de autor desconhecido. Importantes são também o Livro das Aves, em latim (proveniente do Mosteiro de Lorvão e datado de 1183), e um texto em língua vulgar, com o mesmo tema, provavelmente do séc. XIV. Ainda em muitos livros de viagens e crónicas escritos entre o séc. XV e XVI, podemos também encontrar exemplos simbólicos do mundo natural e catalogações de raças animais.
O objectivo fundamental dos bestiários era expor o mundo natural, mais do que documentá-lo ou explicar o seu funcionamento. Outro dos objectivos era a instrução do homem. Os seus autores sabiam que tudo na Criação tinha uma função e o seu Criador tinha uma intenção, que consistia na edificação do homem pecador. Através da natureza e hábitos dos animais , o homem poderia ver a humanidade reflectida e aprender o caminho para a redenção. Cada criatura assume assim uma mensagem de redenção. Procurava-se também atribuir a cada animal um significado místico, tendo como base as Sagradas Escrituras. Isto não era simples, pois um ser poderia representar o bem e o mal simultaneamente; deste modo, os escritos optavam por atribuir uma dualidade a alguns animais.
Os manuscritos eram profusamente ilustrados e muitas destas iluminuras (ilustrações) derivam de versões latinas do Physiologus, servindo também para fornecer pormenores adicionais sobre as criaturas, que muitas vezes o texto omitia.
Procurava-se também encontrar o equivalente no mar e até no ar de todos os animais que existiam na terra. Exemplo disto é o cavalo, cujo correspondente marinho era o cavalo marinho e o aéreo o cavalo alado. Muitas das bestas fantásticas derivam de deuses das civilizações antigas, que tinham características animalescas (como o Hórus egípcio e o Minotauro grego).
Mais tarde, com o desenvolvimento científico, estes tratados vão perder a sua importância e passar-se-á a dar um maior relevo à observação e à experiência. Contudo, os bestiários tiveram uma grande influência na Literatura (nomeadamente através das fábulas e das alegorias), na Arte (pelo seu valor pictórico) e até na Biologia (na enumeração e estudo das espécies).
BIB.: Florence McCulloch: Medieval Bestiaries (1962); Jurgis Baltrusaitis: Le Moyan Age Fantastique (1955); Mário Martins: Estudos de Literatura Medieval (1956); Id.: Alegorias, Símbolos e Exemplos Morais da Literatura Medieval Portuguesa (1980); Richard Barber: Bestiary (1999); T. H. White: The Book of Beasts: Being a Translation From a Latin Bestiary of the Twelfth Century (1984); Wilma George e Yapp Brunsdon: The Naming of the Beasts (1991).
http://www.clues.abdn.ac.uk:8080/besttest/firstpag.html
http://www.geocities.com/Paris/3963/bestiary.html
http://www2.english.uiuc.edu/wright/encyclop.htm
António José Serra
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