Iluminismo

Nome de movimento intelectual situável na Europa de século XVIII, embora com importantes antecedentes, nomeadamente na Grécia antiga, e que parte da identificação entre cultura e civilização, convertida em ideal de razão, ciência e progresso. Tal movimento, que se reclama herdeiro do racionalismo do século XVII, tem alguns dos seus representantes mais influentes na França, Suíça e Alemanha. Os escritos de Jean‑Jacques Rosseau e dos enciclopedistas franceses polarizam boa parte do movimento, mas o facto de a filosofia de Kant ou a literatura favorável às Revoluções Americana e Francesa serem frequentemente incluídas no seu âmbito torna a respectiva caracterização mais difícil de sintetizar. Francis Bacon, Descartes, Newton e Locke são alguns dos filósofos e cientistas usualmente apontados como precursores próximos. Representante típico do iluminismo setecentista é o alemão J. Christian Wolff, que no livro Pensamentos racionais sobre Deus, o mundo, a alma humana e todas as coisas em geral (1720) expõe as suas convicções fundamentais: a razão humana tem a possibilidade de dissipar as nuvens da ignorância, do erro e da injustiça, até iluminar, como um sol, o caminho da ciência que há-de permitir à humanidade o progresso e a felicidade.

Os princípios iluministas andam em geral associados a uma crítica racional propícia à investigação científica e tecnológica, à tolerância, ao humanitarismo e aos direitos universais do homem. Na esfera religiosa, a desconfiança em relação ao dogmatismo tendia, na época setecentista, a favorecer o deísmo, que se concentra num conjunto de noções básicas abstraídas das grandes religiões ¾ nomeadamente na existência de um Ser supremo, criador benévolo e digno de adoração universal. Confiantes no progresso, os iluministas (entre os quais Voltaire, apesar da sua sátira ao optimismo panglássico), desenvolveram por vezes estrénuo combate ao ancien régime e às instituições que consideravam suporte deste. Na Grã-Bretanha, os iluministas de grupo ou escola são menos fáceis de encontrar. No entanto, vários autores britânicos evidenciam algumas afinidades com posições iluministas; é o caso, por exemplo, do filósofo e historiador Hume e do historiador Gibbon, do romancista e ideólogo anarquista Godwin e de sua mulher, a feminista Mary Wollstonecraft, ou do político Thomas Paine. A influência do primeiro no segundo e noutros autores ultrapassou os círculos de Edinburgo e Glasgow, justificando, todavia, referências ao 'Iluminismo escocês', no qual são por vezes também incluídos Adam Smth e Adam Ferguson, entre vários economistas coetâneos responsáveis pelo avento do liberalismo económico.Os ideais iluministas têm, no entanto, como se disse, antecedentes antigos. Quando os Gregos se consideravam superiores aos bárbaros, partiam da noção de que a sua cultura radicava numa valorização da razão e da tradição intelectual que escapavam a outros povos, o que manteria estes numa passividade determinante do respectio estado de barbárie. Para os mesmos princípios, ideias e ideais, muito contribuíram Demócrito e a sua visão ‘progressista’ da história humana; ou Protágoras, Antifonte, Pródico de Céos e Hípias de Élis, enquanto representantes de uma sofística que, na segunda metade do século V a. C., procurava distinguir o ethos (o que se é por natureza) do nomos (o que se é por convenção). Análoga visão se encontra no rector latino Aulo-Gélio, que usa a expressão ‘veritas filia temporis’ num sentido caro aos futuros iluministas. Também a oposição renascentista ao ‘barbarismo’ gótico assenta na valorização de uma superior racionalidade. Os rótulos da época setecentista como ‘século das luzes’ e ‘idade da razão’, hoje bastante ultrapassados (sobretudo o segundo), documentam uma mentalidade crescentemente orientada para o empirismo científico, para a crença na possibilidade de domar a naturea e de a pôr ao serviço do homem. A essa orientação, já presente em Francis Bacon (cf. os objectivos da Academia de Salomão, em New Atlantis), virá frequentemente juntar-se um agnosticismo anti-metafísico, como se verifica em alguns dos philosophes franceses do século XVIII. A mesma orientação, aprofundada depois no século XIX tem-se mantido na cultura cientifista que vem até aos nossos dias. Esquemas e simbolizações lineares de crescente perfectibilismo, presentes ainda na mundividência judaico-cristã e não apenas no iluminismo, contrastam, contudo, com imagens, muito persistentes na história da cultura europeia, de um desenvolvimento cíclico não necessariamente progressivo ou de global sinal positivo.

Bib.: Frank E. Manuel (ed.): The Enlightenment (1965); John W. Yolton, Roy Porter, Pat Rogers e Barbara Maria Stafford (eds.): The Blackwell Companion to the Enlightenment (1991); Manuel Antunes, História da Cultura Clássica, vol. fotocopiado de notas das aulas teóricas e práticas, Faculdade de Letras de Lisboa, 1967/68, pp. 38-41.

J.M. de Sousa Nunes

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