A literatura é chamada de ficção, isto é, imaginação de algo que não existe particularizado na realidade, mas no espírito de seu criador. O objeto da criação poética não pode, portanto, ser submetido à verificação extratextual. A literatura cria o seu próprio universo, semanticamente autônomo em relação ao mundo em que vive o autor, com seus seres ficcionais, seu ambiente imaginário, seu código ideológico, sua própria verdade: pessoas metamorfoseadas em animais, animais que falam a linguagem humana, tapetes voadores, cidades fantásticas, amores incríveis, situações paradoxais, sentimentos contraditórios, etc. Mesmo a literatura mais realista é fruto de imaginação, pois o caráter ficcional é uma prerrogativa indeclinável da obra literária. Se o fato narrado pudesse ser documentado, se houvesse perfeita correspondência entre os elementos do texto e do extratexto, teríamos então não arte, mas história, crônica, biografia.
A obra literária, devido à potência especial da linguagem poética, cria uma objetualidade própria, um heterocosmo contextualmente fechado. Essa realidade nova, criada pela ficção poética, não deixa de ter, porém, uma relação significativa com o real objetivo. Ninguém pode criar a partir do nada: as estruturas lingüísticas, sociais e ideológicas fornecem ao artista o material sobre o qual ele constrói o seu mundo de imaginação. A teoria clássica da arte como mímese da vida é sempre válida, quer se conceba a arte como imitação do mundo real, quer como imitação de um mundo ideal ou imaginário.
Verossimilhança
A obra de arte, por não ser relacionada diretamente com um referente do mundo exterior, não é verdadeira, mas possui a equivalência da verdade, a verossimilhança, que é a característica, que é característica indicadora do poder ser do poder acontecer. Distinguimos uma verossimilhança interna à própria obra, conferida pela conformidade com seus postulados hipotéticos e pela coerência de seus elementos estruturais: a motivação e a causalidade das seqüências narrativas, a equivalência dos atributos e das ações das personagens, a isotopia, a homorritmia, o paralelismo, etc.; e uma verossimilhança externa, que confere ao imaginário a caução formal do real pelo respeito às regras do bom senso e da opinião comum.
Se faltar a verossimilhança interna, dizemos que a obra é incoerente ou aloucada, aproximando-se do não-sentido; se faltar a verossimilhança externa, entramos no domínio do gênero fantástico, definido por Todorov (107, p.39) como uma hesitação entre o estranho e o maravilhoso, entre uma explicação natural e uma explicação sobrenatural dos acontecimentos evocados.
Mais importante é a verossimilhança interna, a coerência estrutural da obra, porque, quanto à verossimilhança externa, a fuga para o fantástico, para o mundo da imaginação, é comum à literatura. Transformar um homem em animal (O asno de ouro, de Apuleio) ou em inseto (A metamorfose, de Kafka) e conferir a esses seres não-humanos inteligência e sentimentos fazem parte do heterocosmo poético, cujas leis podem ser homólogas, no máximo, mas nunca idênticas às do mundo real. A literatura de ficção supera a antítese do ser e do não ser, do real e do imaginário: a personagem artística é, porque foi criada por seu autor, e, ao mesmo tempo, não é, porque nunca existiu no plano histórico.
Teoria do texto, Salvatore D'Onofrio
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