No dia 14 de novembro, os ministros da Cultura do Brasil, Juca Ferreira, e de Portugal, José Antônio Pinto Ribeiro, se encontraram em Lisboa para a primeira reunião extraordinária entre ministros da Educação e Cultura da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). O encontro serviu para o avanço de sugestões para a implementação do acordo e para o impulso da teoria à prática. Uma das propostas de Juca Ferreira foi a criação de um portal com conteúdo cultural, onde seriam disponibilizados textos, vídeos e áudios em português unificado. Outro projeto citado foi a possibilidade de criação de uma televisão comum em língua portuguesa, cuja idéia já teria despertado interesse em alguns canais de TV a cabo.
O acordo ortográfico é a unificação gráfica da língua portuguesa no mundo. Dessa forma, todos os países lusófonos terão a mesma ortografia. De acordo com o escritor e presidente da Comissão de Língua Portuguesa do Ministério da Educação (MEC), Godofredo de Oliveira Neto, os sotaques, a sintaxe e as características lexicais são mantidos. Os regionalismos são respeitados, por exemplo, sandália no Nordeste permanece como o termo para designar qualquer tipo de calçado. No Sul, namorar “com” alguém persiste, enquanto que cariocas, por exemplo, continuam namorando alguém. Paragem de ônibus em Portugal continua a ser parada de ônibus no Brasil. E o António português continuará convivendo com o Antônio brasileiro.
“Com o acordo, os países de língua portuguesa terão uma identidade mais forte e a língua portuguesa sai fortalecida. Haverá maior circulação de livros entre os países lusófonos. Com uma tiragem maior, a expectativa é que o livro saia mais barato, o que vai contribuir para a diminuição do analfabetismo”, analisa Godofredo.
A sétima língua mais falada do mundo ainda não conseguiu entrar para o rol das oficiais de órgãos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU). Todos os documentos publicados em português têm que ser disponibilizados em duas vias: português do Brasil e português de Portugal. De acordo com Godofredo, apesar de em outras línguas também não existir uma total combinação -- como é o caso do inglês falado nos Estados Unidos e na Inglaterra, e do espanhol na Espanha e na Argentina --, essas diferenças são vistas como variações, e não como erros. “A unificação vai reforçar a influência da língua portuguesa na comunidade internacional. A produção científica dos países lusófonos vai poder ser veiculada mais facilmente e criará um bloco mais coeso na política global.”
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, no dia 29 de setembro de 2008, na Academia Brasileira de Letras, o documento de entrada no acordo. Portugal, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe são os outros países que também já aderiram à unificação da língua. Faltam, ainda, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor Leste. Godofredo afirma que trâmites internos atrasaram a ratificação do acordo por parte desses países, mas ele acredita que todos assinarão em breve.
O prazo para a adaptação definitiva ao acordo no Brasil expira em dezembro de 2012. Até lá, serão aceitas as duas normas em vestibulares, provas e concursos públicos. Mas, em diário oficial e jornais, assim como demais áreas, janeiro de 2009 é o marco para o início das novidades. Godofredo diz que as escolas já estão ensinando a nova gramática.
Por outro lado, o diretor da Imago Editora, Eduardo Salomão, questiona a nova legislação. Ele acredita que a relação custo-benefício da unificação não é boa. “Os custos para trocas de livros nas editoras podem ser contabilizados. Mas os custos sociais, não. Qual será o preço da adaptação de toda a sociedade brasileira?”, desafia. “Nós vivemos em um país com quase 200 milhões de pessoas e todo mundo terá que se adaptar.”
Salomão afirma que a responsabilidade da nova legislação na internet também não é mensurável. “Desde sites de banco até sites de busca, será que alguém se dará ao trabalho de organizar o banco de dados com o novo acordo ortográfico? Existe um prazo para as editoras, para os jornais. E para os sites?” As editoras terão custos materializados, como revisões e novas produções. “Teremos que fazer tudo de novo. Eventualmente, teremos até que refazer a capa.”
Para Salomão, é provável que a sociedade ainda conviva com as duas regras ortográficas que em um período maior que dois anos. “Como será o vestibular daqui a três anos? Vão tirar ponto se for utilizado um acento em desuso?”
A última proposta de unificação ortográfica da língua portuguesa no mundo veio do Brasil, de acordo com Godofredo de Oliveira Neto. Durante o governo do ex-presidente José Sarney, o projeto foi apresentado por uma comissão coordenada pelo filólogo Antonio Houaiss, em reuniões no Maranhão e em Lisboa.
Em 1990, foi assinado o primeiro acordo, onde foram estabelecidas todas as regras. A Câmara e o Senado aprovaram o acordo internacional em 1995, quando saiu um decreto legislativo, para posterior assinatura pelo Executivo.
Então, vamos às mudanças. As três letras novas do alfabeto são usadas em situações bastante usuais, como na palavra “show” e na unidade de medida “km”. O trema -- sinal colocado na letra “u” para sinalizar que deve ser pronunciada -- não será mais usado. Agüentar vira aguentar e cinqüenta, cinquenta. No entanto, o sinal permanece em palavras estrangeiras e em suas derivações, como Müller e mülleriano.
A acentuação trará mudanças nos ditongos abertos “éi” e “ói” das palavras paroxítonas. Agora é boia, e não mais bóia; celuloide, e não celulóide; e apoia, e não apóia. E a Coréia como fica? Coreia. No entanto, a regra é válida somente para paroxítonas. As palavras oxítonas continuam acentuadas, como heróis e troféu. O acento também será abolido no “i” e “u” tônicos, quando vierem após um ditongo, como é o caso de feiúra, que passará a ser feiura. Mas, como toda a regra tem sua exceção, o acento continua em oxítonas com o “i” e o “u” em posições finais (tuiuiú, tuiuiús, Piauí).
Abençoo. Enjoo. Zoo. Sim, sem acento, palavras terminadas em “êem” e “ôo(s)”. A diferenciação entre pelo, pêlo, para, pára não existirá mais. Será o certo escrever “Ele para o carro”, sem o acento no primeiro “a” de “para”. Mas o verbo “poder” tem uma especificidade no novo acordo, uma vez que permanece o acento diferencial em pode e pôde -- Pretérito Perfeito do Indicativo do verbo poder, na 3ª pessoa do singular. Os verbos “por”, “ter” e “vir” -- junto com seus derivados (manter, deter, convir, entre outros) -- também são exceções. Continuam “Vou pôr o lápis na mesa.”, “Elas têm duas bonecas.” e “Eles detêm o poder.”. No caso da diferenciação entre forma e fôrma, a escolha é facultativa.
Os verbos “arguir” e “redarguir” não terão mais o acento agudo tônico das formas (tu) arguis, (ele) argui, (eles) arguem. As terminações “guar”, “quar” e “quir” sofrerão variações de pronúncia. “Averiguar” e “enxaguar” estão no conjunto. Se forem pronunciados “a” e “i” tônicos, as formas devem ter acento -- enxágua, delínquem. Mas, se tiverem o “u” tônico, não devem ser acentuadas -- enxaguo, enxague, delinquem. No Brasil, a pronúncia mais usada é a primeira.
O hífen gera debates. De acordo com críticos, as novas regras do hífen são as mais polêmicas e que exigem maior trabalho da Academia Brasileira de Letras na implementação do acordo ortográfico. Com prefixos -- como “aero”, “neo”, “mini”, “pós” e “super” -- usa-se sempre o hífen caso a palavra seguinte seja iniciada por “h”. Podem-se ser usados os termos mini-hotel, super-homem e ultra-humano. Exceção: subumano, onde a palavra perde o “h”. No entanto, se o prefixo termina em vogal diferente da vogal em que se inicia o segundo elemento, o hífen é ignorado. Aeroespacial, Antiaéreo, autoescola e coautor serão escritas desta forma a partir de 2009 no Brasil. No caso do prefixo “co”, há aglutinação com a palavra seguinte, como em coobrigar, coordenar e cooperação.
O hífen não é utilizado quando o prefixo termina em vogal e o elemento seguinte começa com consoante diferente de “r” ou “s”, como é o caso de antipedagógico. Já o prefixo “vice” sempre pede o hífen. Mas, se o prefixo termina em vogal e o termo seguinte começar com “r” ou “s”, essas letras sofrem duplicação. Antirracismo, antissocial, neorrealismo. Sim, assim mesmo.
Anti-ibérico, anti-imperialista, micro-ondas e semi-interno passarão pelo corretor ortográfico. Estes termos estão incluídos no caso de o prefixo terminar com uma vogal e o elemento seguinte começar com a mesma letra. O hífen será mantido. A regra será mantida também no caso de o prefixo terminar por consoante, se o segundo elemento começar com a mesma consoante, como será o caso de inter-racional, super-romântico e sub-bibliotecário. Esqueça o hífen nos outros casos.
O prefixo “sub” pede hífen também diante de palavra iniciada por “r”, como em sub-raça e sub-região. Já com “circum” e “pan”, o famoso tracinho será utilizado diante de palavra iniciada por “m”, “n” e vogais.
As regras do hífen têm ainda maior abrangência e outros pequenos detalhes. Se o prefixo terminar com uma consoante e o elemento seguinte começar com vogal, esqueça o traço. Hiperativo e interestadual serão assim mesmo, escritos juntos, “superamigos”. Quando lembrar-se do aquecimento global, não esqueça: superaquecimento.
“Ex”, “sem”, “além”, “aquém”, “recém”, “pós”, “pré” e “pró” são prefixos que ainda pedem hífen. Sem-terra, pré-vestibular e ex-presidente continuam na mesma situação... Assim como os sufixos de origem tupi-guarani, mirim, guaçu e açu (como é o caso de capim-açu). E o traço persiste. Encadeamentos vocabulares formados por duas ou mais palavras: Rio-Niterói. Mas em palavras que perderam a noção de composição o hífen não deve ser usado. Girassol, paraquedista e pontapé ficam desta forma.
Não se esqueça: se você estiver escrevendo e, por acaso, o hífen coincidir com o final da linha, repita-o na linha seguinte. Busca-se sempre a clareza gráfica. De qualquer maneira, a Academia Brasileira de Letras vai publicar o vocabulário ortográfico em fevereiro próximo, obra que fixará definitivamente todas essas mudanças.
Após este resumo, não tenha medo. Além do que lei é lei, e deve ser cumprida. São Tomé e Príncipe aderiram ao acordo em 2006. O Brasil já tinha começado os trâmites internos em 2007, mas aguardou a posição final de Portugal para formalizar sua participação. “O Brasil esperou Portugal porque entendeu que algo que veio para unificar não tinha porque nascer desunido”, observou o presidente da Comissão de Língua Portuguesa do MEC.
O documento assinado por Portugal -- que terá 1,42% de mudanças em seu alfabeto -- foi um avanço, uma vez que o país era o mais reticente a respeito das novas normas. Os portugueses haviam encarado o acordo como uma imposição dos editores brasileiros. “A idéia de dono da língua não faz sentido. Quem é o dono é o usuário”, conclui Godofredo.
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