O símbolo foi muitas vezes definido como um «sinal», de reconhecimento, formado, por exemplo, por duas metades dum objecto partido que se juntam; mais tarde, um sinal qualquer, senha, sinete, insígnia, palavra de ordem», segundo Lalande (cf. Vocabulaire technique et critique de la philosophie), ou convencional, como, por exemplo, os sinais utilizados pelos lógicos e matemáticos e pelas diversas disciplinas científicas, ou analógico e capaz de evocar uma relação entre uma imagem concreta e uma idéia abstrata, tal como, por exemplo, o ceptro, «símbolo» da realeza.
É neste sentido que Ferdinand de Saussure, ao definir a língua «como um sistema de signos que exprimem idéias», a comparou «à escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos, aos rituais simbólicos, às fórmulas de cortesia, aos sinais militares, etc. Ela é apenas o mais importante destes sistemas. Podemos, pois, conceber uma ciência que estuda a vida dos sinais dentro da vida social; ela constituiria uma parte da psicologia social e, por conseqüência, da psicologia geral; designá-la-emos por semiologia (do grego seméion, 'sinal'). Ela ensinar-nos-ia em que consistem os signos, quais as leis que os regem» (Ferdinand de Saussure, Cours de Linguistique générale, Payot, Paris, 1974, p. 33).
A semiologia pressupõe, nomeadamente, que as formas explícitas do simbolismo são «significantes» associados a «significados» tácitos, que obedecem ao modelo das relações entre «som» e «sentido», na língua. Nestas condições, para interpretar um símbolo, bastaria «decifrá-lo» e integrá-lo nos «sistemas simbólicos» duma cultura determinada, segundo a concepção de Claude Lévi-Strauss que estendeu o método da «antropologia estrutural» às regras matrimoniais, às relações econômicas, à arte, à ciência e à religião.
No que se refere às primeiras definições do símbolo que citei, bastaria compará-las com o meu estudo precedente acerca da origem e da semântica da própria palavra para constatar que elas estão muito longe de explicar a complexidade do seu verdadeiro significado.
O «projeto semiológico» de Saussure é muito mais importante. Por isso, convém defini-lo, antes do mais. O «signo», no sentido saussuriano, não é uma coisa que se substituiu simplesmente a outra ou que está em lugar dela. É um elo e um traço de união entre ambas. «O signo lingüístico une um conceito e uma imagem acústica», diz ele, isto é, um «significado» e um «significante» (pp. 98-99). Além disso, o signo apresenta dois caracteres essenciais, o arbitrário (pp. 100-102) e a linearidade (p. 103) do significante. Com efeito, os signos vocais da linguagem são produzidos e percebidos sucessivamente ao passo que, por exemplo, os sinais gráficos ou picturais são produzidos da mesma maneira mas, em contrapartida, podem ser percebidos globalmente ou numa ordem qualquer.
Além disso, os signos, no sentido saussuriano, não são abstrações; são «entidades concretas» estudadas pela lingüística e que se opõem uma à outra no mecanismo da língua. Saussure concebe a língua não corno uma «forma», mas como uma «substância». Ela não apresenta nenhum termo positivo, mas apenas diferenças (p. 166). Daí esta definição muito clara: «Aquilo que distingue um signo é aquilo que o constitui» (p. 168). Podemos dizer o mesmo do símbolo?
O próprio Saussure respondeu a esta questão. Declara que os «signos completamente arbitrários realizam melhor que os outros o ideal do processo semiológico» e observa que «a palavra símbolo foi usada para designar o signo lingüístico, ou mais exatamente, aquilo a que chamamos o significante. Há inconvenientes em admiti-lo, precisamente por causa do nosso primeiro princípio. O símbolo tem como característica nunca ser completamente arbitrário; não é vazio, há um rudimento de laço natural entre o significante e o significado. O símbolo da justiça, a balança, não poderia ser substituído por outra coisa qualquer, um carro, por exemplo».
Além disso, devemos lembrar, a propósito disto, que Saussure entende a palavra «arbitrário» não no sentido duma «livre escolha» do significante pelo «sujeito falante», mas na acepção de «imotivado», ou seja, «arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem qualquer ligação na realidade».
Saussure utilizara já o termo «símbolo» em 1894, na sua comemoração de Whitney, e este texto apresenta a particularidade de nos mostrar a oscilação característica da evolução analítica saussuriana neste domínio: «Filósofos, lógicos e psicólogos ensinaram-nos qual era o acordo fundamental entre a idéia e o símbolo, em particular um símbolo independente que a representa». Posteriormente Saussure corrigiu esta primeira redação, optando, por dizer: «entre um símbolo convencional e o espírito».
O ensino saussuriano exposto ao longo de três cursos de lingüística geral proferidos em 1906-1907, 1908-1909 e 1910-1911, cujas notas da responsabilidade de diferentes alunos foram refundidas e publicadas por Ch. Bailly e A. Sechehaye, em 1916, sob o título anteriormente citado, exerceu uma influência capital no desenvolvimento da lingüística moderna e, principalmente, sob o «estruturalismo lingüístico». Por isso, convém lembrar aqui as distinções, clássicas doravante, propostas por Ferdinand de Saussure, pois algumas delas ultrapassam largamente o domínio das suas aplicações especializadas.
A primeira refere-se à diferença entre «língua» e «fala». Para melhor a compreender é preciso, em primeiro lugar, situar historicamente o pensamento saussuriano. Este desenvolveu-se no âmbito duma situação cultural ocidental dominada pelo positivismo universitário, mas também dentro da perspectiva duma problemática sociológica que remonta ao fim do século XIX e está marcada pelas oposições entre as perspectivas de Durkheim e de Tarde, a propósito da dominante dos fatores de «consciência coletiva do grupo social» ou dos fatores de «iniciativa individual». W. Doroszewski assinalou já estas relações entre a sociologia e a lingüística (W. Doroszewski: «Quelques remarques sur les rapports de la sociologie et de la linguistique: Durkheim et F. de Saussure», J. Psycho., XXX, 1933, 82-91), mas talvez não tenha insistido o suficiente num texto de Tarde, muito pouco conhecido, publicado em 1902, que provavelmente não é estranho às «dicotomias» saussurianas, segundo a expressão de G. C. Lepschy (G. C. Lepschy, La linguistique structurale, Payot, Paris, 1969, p. 32): «Tudo é simétrico, dualístico, antitético, tanto em matéria de combinações como de lutas — tudo é duelo ou acasalamento... Bréal, na sua Sémantique, é levado a observar, em lingüística, uma aplicação totalmente espontânea desta verdade geral. «Qualquer que seja, diz ele, o comprimento dum composto, ele não compreende senão dois termos. Esta regra não é arbitrária: radica na natureza do nosso espírito que associa as suas idéias aos pares.» (G. Tarde, L’invention considérée comme moteur de l'évolution sociale, Paris, 1902, pp. 5 e 6)
A «fala», no sentido saussuriano, designa o momento individual, base da mudança lingüística, e que constitui, de certa maneira, uma polaridade oposta à da «língua», enquanto instituição. No entanto, esta não é uma concepção «neo-idealista» comparável à «intuição-expressão», oposta a uma comunicação formalizada e racionalizada através das instituições sociais. Trata-se duma oposição entre a realidade psico-fisiológica dum ato lingüístico particular, um «ato de fala», necessariamente variável e um sistema exterior ao indivíduo, a «parte social da linguagem», isto é, a «língua», que não é «uma função do sujeito falante», mas o «produto que o indivíduo registra passivamente» (C. L. G., p. 30). Não se trata, em suma, e Saussure sublinha-o expressamente, ao separar a «língua» da «fala», de «separar duma só vez: 1. Aquilo que é social daquilo que é individual; 2. Aquilo que é essencial daquilo que é acessório e mais ou menos acidental» (C. L. G., p. 30).
O projeto semiológico saussuriano não é, pois, menos nitidamente «positivista» do que a sua fonte inspiradora: «Se se considerarem os rituais, os costumes, etc, como sinais, estes fatos serão vistos a uma luz diferente e haverá necessidade de os agrupar dentro da semiologia e de os explicar pelas leis desta ciência.» Sublinhei as expressões características desta conclusão relativa à semiologia (C L. G., p. 35). Ela esclarece, numa larga medida, a tendência geral do «estruturalismo lingüístico» contemporâneo, a sua orientação «raciona-lista» e «científica».
A distinção saussuriana entre sincronia e diacronia assenta na anterior, segundo o princípio de que «tudo o que é diacrônico na língua o é através da fala» (C. L. G., p. 38), como testemunha o esquema proposto pelo próprio Saussure para «a forma racional que o estudo lingüístico deve assumir»:
Linguagem:
* Língua:
o sincronia
o diacronia
* Fala
A lingüística sincrônica estuda os «fatores constitutivos de qualquer estado de língua», as «relações lógicas e psicológicas que ligam termos coexistentes e que formam sistemas, tais como são percebidos pela consciência coletiva» (C. L. G., pp. 140-141).
A «sincronia» situa-se no «eixo das simultaneidades», respeitantes «às relações entre coisas coexistentes, donde qualquer intervenção do tempo está excluída». A diacronia refere-se ao «eixo das sucessividades», no qual «não se pode nunca considerar senão uma coisa de cada vez, mas onde estão situadas todas as coisas do primeiro eixo, com as suas transformações» (C. L. G., p. 116). É sincrônico tudo o que se refere ao aspecto estático ou a um estado de língua; diacrônico, tudo o que se relaciona com as evoluções ou com uma fase de evolução.
Um dos pontos fundamentais dos ensinamentos de Saussure é a sua afirmação constante do caráter arbitrário do signo e da língua. Constata-se, no entanto, que Saussure distingue nitidamente, ainda sob este ponto de vista, a língua dos sistemas de símbolos: «Poder-se-ia discutir um sistema de símbolos, porque o símbolo tem uma relação racional com a coisa significada; mas no que respeita à língua, um sistema de signos arbitrários, esta base falha e juntamente com ela desaparece qualquer terreno sólido de discussão; não há nenhum motivo para que se prefira soeur a sister, Ochs a boeuf, etc.» (C. L. G., p. 106).
Podemos detectar aqui uma contradição bastante evidente com o «projeto semiológico» anteriormente mencionado, segundo o qual «os rituais», incontestavelmente simbólicos, são, no entanto, considerados «signos». Da mesma maneira, Edward Sapir, um «estruturalista» americano, nunca deixou de acentuar o caráter fundamentalmente «simbólico» da linguagem que ele considera como «uma atualização vocal da tendência para ver a realidade de forma simbólica, e é precisamente esta qualidade que faz dela um instrumento adaptado à comunicação (E. Sapir, Langage, 1933).
Estas contradições e dificuldades não são as únicas que o estudo das abordagens semiológicas e lingüísticas do símbolo apresenta. Convém talvez procurar as causas dela em primeiro lugar num fato importante, referido pelo próprio Saussure: «Quanto à palavra 'signo', se nos contentamos com ela, é porque não sabemos como substituí-la, pois a língua vulgar não sugere mais nenhuma» (C. L. G., p. 100).
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