Género literário sinónimo da poesia pastoril que respeita as convenções clássicas provenientes, sobretudo, das Bucólicas de Virgílio e dos Idílios de Teócrito de Siracusa. Este género enuncia um ideal de vida que canta as belezas da vida do campo, o espaço dos pastores, a ingenuidade dos costumes, a quotidiano tranquilo em simples contacto com a natureza. Trata também dos amores, alegrias e penas dos pastores que contrastam com os sobressaltos e inquietações da vida urbana.
A poesia bucólica é também conhecida por poesia pastoral ou pastoril. O pastor é o representante de um mundo natural, simples, cuja entrada corresponde invariavelmente a uma evasão, não só em termos de espaço (da cidade para o campo) como também em termos de tempo (do presente para o passado). Assim, há como que uma idealização do modo de viver campesino, onde se cria um ambiente imaginário de paz e perfeição, no qual não existe qualquer tipo de corrupção. Toda o cenário bucólico pressupõe a descrição de uma utopia passada. Esta idealização leva a que a vida campestre seja associada à Idade de Ouro (passado), altura em que o homem vivia em harmonia com a natureza e antes de sucumbir ao pecado do orgulho.
Outras imagens típicas deste tipo de poesia são: o pastor que descansa debaixo da faia e que medita sobre a musa rural; o pastor que toca a sua flauta redentora, que, por vezes, se envolve num concurso musical amigável com outro pastor; expressando a boa ou má sorte com a sua amada (má sorte esta que quebra a monotonia do ócio perfeito, pois provoca a infelicidade); o pastor que chora a morte de um pastor amigo. É também de notar que este tipo de literatura põe em cena figuras reais, tais como o próprio pastor ou os seus amigos, com a condição de estarem disfarçados, recorrendo para isso ao uso de anagramas.
O bucolismo poético teve muitos seguidores, nomeadamente na Idade Média, altura em que as imagens bucólicas servem o ensinamento cristão, isto porque Cristo era o Pastor e os homens o seu rebanho. Durante a Idade Média, Boécio, Dante e Chaucer são alguns dos escritores que retratam este modo de vida simples do pastor, modo de vida que é tido por uma prefiguração simbólica do mundo edénico. Nas pastorelas da poesia trovadoresca, podemos registar algumas insinuações bucólicas.
Já no Renascimento, com a poesia de Petrarca, Boccaccio (Ameto, 1341, e Ninfale Fiesolano, 1344-1346), Sannazzaro (Arcádia, trad. para castelhano em 1549), a poesia castelhana de Boscán e Garcilaso, as éclogas Basto e Montano de Sá de Miranda, a poesia de Bernardim Ribeiro e as Rimas de Camões, entre outros, esta temática é ainda adaptada a escritos satíricos e alegóricos, como por exemplo The Shepherd’s Calendar (1579) de Spenser, no qual o mundo pastoral clássico é idealizado para os pastores ingleses. Generaliza-se também a prática de representação dramática de éclogas nas principais cortes europeias. O próprio Gil Vicente deve a inspiração dramática às éclogas de Juan del Encina (Cancionero, 1496). A écloga é a forma literária preferida dos poetas renascentistas que trataram de temas bucólicos.
O mundo pastoril vai oferecer ao homem renascentista um refúgio, um mundo utópico paralelo à sociedade real onde pode haver uma dedicação exclusiva ao ócio. É nesta época que se desenvolvem as cidades, fenómeno que arrasta consigo o sentimento de nostalgia pela simplicidade e tranquilidade da vida rústica. As convenções pastoris são de tal forma populares que vão influenciar outras formas literárias como as novelas (por exemplo, a Lusitânia Transformada, de Fernão Álvares do Oriente, a Consolação às Tribulações de Israel (1533), de Samuel Usque e a trilogia de Francisco Rodrigues Lobo A Primavera, O Pastor Peregrino e O Desenganado, 1601-1608). A célebre Menina e Moça (1554), de Bernardim Ribeiro tem também ingredientes bucólicos, embora entre na categoria de “novela sentimental”.
No neo-classicismo e no romantismo, assiste-se a um afastamento deste tipo de literatura gasta pelos seus convencionalismos. Apesar disto, há um reencarnar do pastor no herói romântico.
No século XIX e XX, não vamos encontrar qualquer “diálogo de pastores”, apesar dos anseios humanos serem os mesmos. Podemos detectar temas bucólicos nos romances de Júlio Dinis, em A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, na poesia de Cesário Verde, João de Deus, Cecília Meireles e de Miguel Torga, e nos romances de Aquilino Ribeiro.
Na sua acepção moderna, o termo foi expandido de diferentes maneiras: em Some Versions of Pastoral (1935), William Empson defende que a criação pastoril é aquela em que há um contraste entre a vida simples e a vida complexa, estando a vantagem do lado da primeira. A vida simples pode, no entanto, ser não só a do pastor mas também a da criança e é usada como sátira às classes mais altas da sociedade. Outros críticos passam a classificar de bucólica qualquer obra que represente uma fuga à vida quotidiana para um local distante ou então, pode aplicar-se a qualquer poesia com um pano de fundo rústico.
ÉCLOGA; pastoral
Bib.: Andrew V. Ettin: Literature and Pastoral (1984); Bryan Loughrey: The Pastoral Mode (1982); Charles Segal: Poetry and Myth in Ancient Pastoral:Essays on Theocritus and Virgil (1981); David M. Halperin: 1952-BeforePastoral: Theocritus and the Ancient Tradition of Bucolic Poetry (1983); Dominico de Robertis: «Aspects de la formation du genre pasroral en Italie du XVe siécle», le genre pastoral en Europe du XVe au XVIIe siécle (1980); Flávio Henrique Vara: «Virgílio e a Écloga Portuguesa quinhentista» (1963);Francisco da Costa Marques: Camões: Poeta Bucólico (1939); Herman Iventosch : Los nombres bucolicos en sannazarro e la pastoral espanõla: Ensayo sobre el sentido de la bucolica en el renascimiento (1975); Helen Cooper: Pastoral: Mediaeval into Renaissance (1977); José Augusto Cardoso Bernardes: O Bucolismo Português: A Écloga do Renascimento e do Maneirismo (1988); Lawrence Lerner: The Uses of Nostalgia Studies in Pastoral Poetry (1972); Manuel da Silva Gaio: O Bucolismo, vol.1: Bernardim Ribeiro (1932); Maria do Céu Amaral Fortes de Fraga: Camões: Um Bucolismo Intranquilo (1988); Marcial José Bayo: Virgílio y la pastoral espanõla del renascimiento (1970); Michael C. J. Putman: Virgil’s pastoral Art: Studies in the Eclogues (1970); Morton W. Bloomfield: “The Elegy and the Elegiac Mode: Praise and Alienation” in Rennaissance Genres: Essays on Theory, History and Interpretation (1986); Peter V. Marineli: Pastoral (1982); Rita Mamoto: Arcádia de Sannazaro e o Bucolismo (1996); Vitor Manuel de Aguiar e Silva: Maneirismo e Barroco na Poesia Lírica Portuguesa (1971).
Carlos Ceia
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