Na teoria dos formalistas russos sobre a narrativa, em primeiro lugar nas análises temáticas de Alexander Veselovsky, distingue-se a história ou fabula da trama ou sjuzhet. (Em português, para distinguir do conceito preciso de fábula como género literário, é preferível utilizar o termo na sua expressão latina.) B. Tomachevski define-a como o “conjunto dos acontecimentos ligados entre si que nos são comunicados ao longo da obra. (...) A fábula opõe-se ao assunto, que é constituído pelos mesmos acontecimentos, mas que respeita a sua ordem de surgimento na obra e a sequência das informações que no-los designam.” (“Temática”, 1989, pp.145-146). A fabula diz, portanto, respeito à história em si mesma, à protoforma do material narrativo, tal e qual o autor o encontrou na sua primeira manifestação; o sjuzhet reporta-se ao modo como é narrada a fabula, esse material original que o autor manipulou e transformou. Uma dada história ocorre numa sequência cronológica simples, de acordo com a progressão natural do tempo. Em outro plano da criação literária, um autor pode jogar com diferentes tempos, recuando ou avançando acções, para (re)contar a fabula original.
Os estruturalistas franceses recuperaram esta distinção, distinguindo então histoire ou récit (para fabula) e discours (para sjuzhet). Esta distinção não traz nada de novo à teoria dos formalistas e pode até contribuir para uma confusão simples entre a noção linguística de história (matéria não identificável com a narração) e discurso (forma de expressão oral ou escrita). Várias distinções similares são propostas um pouco em todos os quadrantes: E. M. Forster estabelece uma correspondência análoga entre story e plot (Aspects of the Novel, 1990, 1ª ed. 1927); Lubomír Dolezel construiu um modelo que inclui o nível dos motivemas ou descrição dos actos praticados pelo actante (identificável com o conceito de fabula), a estrutura dos motivos ou realizações de motivemas que permitem a sua actualização em personagens e acções (corresponde ao nível do sjuzhet) e a textura dos motivos ou conjunto de enunciados narrativos que verbalizam os motivos da intriga (cf. “From motifemes to motifs”, Poetics, 4, 1972); Cesare Segre estabelece uma distinção mais complexa entre discurso, intriga, fabula e modelo narrativo, integrando a fabula num nível de preparação teórica da intriga, ordenando-a logica e cronologicamente nos seus elementos constitutivos (La struture e il tempo, 1974); para Seymour Chatman, a distinção faz-se entre story ou conjunto de acontecimentos, personagens e cenários (incluindo o seu arranjo literário, facto que Genette, por exemplo, só reconhece no discours) e discourse ou a forma pela qual se comunica o acontecido (Story and Discourse: Narrative Structure in Fiction and Film, 1978).
As noções de fabula, récit ou story para designar a matéria pré-literária não conhecem consenso sobre um único termo para designar esta circunstância, complicando a operacionalização dos conceitos. Acresce uma crítica comum que tem sido feita a estas divisões entre matéria pré-literária ordenada cronologicamente e matéria literária que recupera os dados iniciais, sem a obrigaroriedade de os ordenar pela mesma sequência cronológica: introduz-se com esta divisão a ideia refutável de uma narrativa literária ser um desvio simples ou uma transfiguração programada de uma história originalmente disponível. Também é discutível que tal divisão seja criticamente frutífera, pois envolve sempre o risco de se introduzirem dissecações sobre a natureza do desvio realizado pelo autor no percurso que há-de ir da fabula ao sjuzhet, como se um discurso literário fosse programável a partir de uma cadeia de acções preparadas laboratorialmente.
DIEGESE; DISCURSO; HISTÓRIA; NARRATOLOGIA; PLOT; SJUZHET
Bib.: B. Tomachevski: “Temática”, in Teoria da Literatura II, ed. Por T. Todorov (Lisboa, 1989); Jonathan Culler: “Fabula and Sjuzhet in the Analysis of Narrative: Some American Discussions”, Poetics Today: Theory and Analysis of Literature and Communication, 1:3 (1980); Mieke Bal: Narratology: Introduction to the Theory of Narrative (1997).
Carlos Ceia
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