Durante algum tempo, os velhos estereótipos perduraram, embora mulheres escritoras trouxessem mais e mais uma mudança subversiva: a boa esposa casou com uma piloto-estelar lésbica; a cientista ficou rica e tem uma movimentada vida sexual, a rainha das Amazonas tem uma corte de príncipes-consortes e, triunfalmente, se recusa a ser domada. É claro que sempre existiram escritores que se esforçaram para incluir mulheres-soldados e cientistas em suas obras, mas eles eram incapazes de responder quem ia pilotar as panelas, cuidar das crianças e fazer surgir essa sociedade revolucionária. E o cinema? Infelizmente, nesse campo a FC não acompanhou os esforços das mulheres. Muitas vezes, elas continuavam aparecendo como vítimas, robôs ou prostitutas (às vezes, tudo ao mesmo tempo). Continuam esperando pacientemente pelo herói na cozinha ou no quarto. Ainda precisam ser resgatadas por ele e, não raro, são as causadoras dos dissabores do protagonista, atrapalhando sua missão ou colocando todo mundo em perigo quando tropeçam bem na frente do alienígena de muitas cabeças e precisam ser salvas no último momento. Uma deliciosa exceção encontra-se na trilogia Guerra nas estrelas de George Lucas, onde a princesa Leia, ao ser resgatada das garras de Dart Vader, é obrigada a arrancar a arma de raios das mãos do galã Han Solo e resolver a parada por conta própria, fugindo através dos ductos de eliminação de lixo da estação espacial Estrela da Morte. Outro momento que não pode ser desconsiderado está na famosa série de televisão Jornada nas estrelas, em plena década de 60, onde Gene Roddenberry ousou colocar simultaneamente uma oficial mulher e negra na ponte de comando da nave estelar Enterprise, além de dezenas de mulheres interessantes e notáveis num sem número de episódios.
Mas o filme Alien, de Ridley Scott (1979), trouxe uma notável exceção, a personagem Ripley, protagonizada por Sigourney Weaver, é uma mulher herói.
Assim, foi em 1960 que Dinah Silveira de Queiroz publicou o volume de contos Eles herdarão a Terra, com histórias de fantasia e de ficção científica de teor poético e ingênuo, quase um retorno à infância da autora - quando ela ouvia as histórias de Júlio Verne e de H.G. Wells. No ano seguinte, foi lançada a Antologia brasileira de ficção científica, em que Dinah aparecia entre vários autores e mais duas mulheres, Lúcia Benedetti e Zora Seljan. No outro ano, a GRD publicou Histórias do acontecerá, contando, além de Dinah e Zora, com a presença da grande Rachel de Queiroz, que, com o conto "Ma-Hôre", compôs uma pequena fábula de conquista interplanetária em que os invasores (nós, humanos) levamos um baile de um representante autóctone de pequena estatura e de grande esperteza. É uma história bem-humorada com um argumento de FC clássica e bem construída. Infelizmente, numa entrevista a um famoso apresentador de TV na ocasião do lançamento de recente romance, a escritora repudiou suas obras escritas dentro desse gênero literário, comparando-as a uma fase de imaturidade.
Outra autora de peso também participou de uma antologia de ficção científica publicada pela Editora Edart de São Paulo em 1965. Trata-se de Lygia Fagundes Telles, no livro Além do tempo e do espaço. O conto "A caçada" não é exatamente FC, embora, sem muito esforço, poderia estar à vontade entre histórias de universo alternativo. Mas nossa grande autora da época era mesmo Dinah Silveira de Queiroz. Em 1971, ela publicou um novo volume de contos, Comba Malina, pela Editora Laudes do Rio de Janeiro. É estranho que a própria autora, tão identificada com a ficção científica, se preocupasse com a conotação "científica" do gênero, preferindo o termo "literatura de antecipação", esquecendo-se de que não existe nenhuma obrigatoriedade em se antecipar ou prever alguma coisa quando se trata de ficção.
E a atualidade? Em 1991, a revista Somnium, do Clube de Leitores de Ficção Científica, teve a idéia de homenagear as autoras que faziam parte de seu quadro de associados. Assim, o número 51 conta quase que exclusivamente com o trabalho de mulheres. O editor na época, Carlos André Moraes, teve dificuldade para localizar e reunir esse material, tão escassas são suas produtoras. O resultado, modéstia à parte, é uma grata surpresa para quem curte FC. São seis contos e dois poemas, abordando diversos temas relacionados, numa visão quase sempre poética, humanista e feminina. Dois contos têm um enfoque atual e bem-humorado. A maior parte, felizmente, é bastante otimista em relação ao futuro da humanidade. É triste constatar, que entre tantos talentos (e muitos outros, provavelmente, ocultos), pouco se viu da produção posterior dessas autoras, talvez com duas exceções: Ana Creuza Zacharias, que tem uma produção constante e prolífica, aparecendo com freqüência em revistas e fanzines, e eu mesma, que já pude ter a honra de ver meu conto "O ovo do tempo" publicado numa antologia brasileira de histórias de dinossauros, Dinossauria tropicalia (editora GRD), em 1994, além de publicar o conto "Quando é preciso ser homem" na extinta Isaac Asimov Magazine, e na antologia luso-brasileira da editora Caminho, de Portugal, O Atlântico tem duas margens, de 1993. O maior problema, sem dúvida, é a escassez de mercado. Num país onde se tenta, sem muito sucesso, atingir a marca de três livros por habitante por ano (mais ou menos uma média sul-americana), um número ridículo se comparado com o primeiro mundo, pouco espaço existe para a publicação de literatura de ficção científica. Somado a um preconceito descabido em relação a esse gênero literário, e a parca visão dos editores que acreditam que só existe Arthur C. Clarke escrevendo nos dias de hoje, sobra nenhum espaço para autores de vanguarda e menos ainda para autores nacionais. Como, então, as mulheres, que já são minoria no mercado editorial brasileiro, vão encontrar espaço para publicar ficção científica? Esse é o desafio para a virada do século, nosso empenho e nossa luta. A fronteira final a ser desbravada, onde mulher brasileira alguma jamais esteve.
Finisia Fideli é escritora de ficção científica e fantasia, colaboradora da extinta revista Escrita
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