Oscar Wilde brilhou na sociedade inglesa até que seuenvolvimento homossexual com Lorde Alfred Douglas
o levasse à prisão, fazendo com que sua biografiarivalizasse em tragicidade, comicidade e excentricidade com obras-primas como O retrato de Dorian Gray e De profundis
Maria Cristina Elias
Oscar Wilde, escritor que colocou "todo seu talento em suas obras e todo seu gênero em sua vida", efetivamente, fez de sua vida (tomando emprestadas as palavras de Otto Maria Carpeaux) uma "obra de gênio". Tendo começado pela glória, o esteta que parecia estar fadado ao sucesso terminou seus dias no esquecimento, pagando à sociedade a dolorosa pena de sua natureza singular. Contudo, seus escritos, anteriormente rejeitados, hoje colecionam diversos admiradores, sobretudo na Inglaterra.
No dia 16 de outubro de 1854, nasceu, em Dublin, Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde, filho de Sir William Wilde - personalidade de destaque, oftalmologista e oculista notório por sua vida amorosa conturbada - e de Jane Francesca Elgee - que, utilizando o pseudônimo "Speranza", era conhecida como uma poetisa nacionalista irlandesa e considerada um dos gênios mais eminentes de um famoso salão literário. Oscar Wilde tinha dois irmãos, William Wilde (1852-1899) e Isola Emily Francesca (1857-1867).
Nos estudos, Wilde sempre foi brilhante. Tendo iniciado sua carreira escolar na Portora Royal School, de Enniskillen, transferiu-se para a Trinity College de Dublin em 1873. Em 1874, obteve uma bolsa de estudos para a Magdalen College de Oxford, onde permaneceu até 1879. À época, a universidade de Oxford estava mergulhada numa efervescência de idéias. Escolas filosóficas como a dos neo-hegelianos (encabeçada por T.H. Green); teorias da evolução (formuladas por Darwin e Huxley); a música sirênica dos Poemas e Baladas de Swinburne; as novas tendências na decoração de interiores; e a estética dos pintores da Confraria dos Pré-rafaelitas (como Brown, Burne-Jones, Hunt, Millais, Rossetti e Waterhouse, que, devido ao desânimo face ao estado decadente da pintura britânica, formaram em 1848 uma associação, que, por meio de temas medievais e telas de conteúdo moral, buscava a sinceridade cristã dos artistas italianos anteriores a Rafael) influenciavam o modo de viver e pensar dos jovens estudantes de então. Nesse contexto, cabe ressaltar a influência decisiva da doutrina esteticista (cujos principais representantes foram John Ruskin e Walter Pater) sobre os jovens mais sensíveis do meio acadêmico de Oxford, dentre os quais Oscar Wilde.
Os seguidores do esteticismo, que fizeram da arte sua religião, não aceitavam a salvação da sociedade pela obediência a princípios morais e éticos. Entendiam que os tempos modernos estavam em decadência, refugiando-se em outras épocas, que consideravam mais artísticas e menos obscuras. Defensores da "arte pela arte", os adeptos dessa corrente buscavam um fim de "ordem imoral", ou seja, por meio da irresponsabilidade moral da arte escapavam aos imperativos sociais. Segundo Carpeaux, "a arte é, para os esteticistas, a atmosfera do relativismo ético; e para alcançar essa esfera, servem-se de mais outros instrumentos, afins ou fora das atividades artísticas de escrever, pintar e fazer música; colecionar objetos de arte, bibliofilia, dandismo, prazeres da cozinha e outros prazeres, sejam legítimos ou até proibidos pelo Código Penal" ( História da literatura ocidental). Os símbolos representativos desse novo culto estético eram "penas de pavão, girassóis, rodapés e porcelana azul, cabelos compridos e culotes de veludo".
Walter Pater teve participação incisiva na formação de Wilde, diferenciando-se de Ruskin por refutar o que considerava uma reminiscência da postura moral e teológica adotada por esse desde a adesão à igreja anglicana, ou seja, a sua consciência eminentemente social. Pater jamais se esforçou para cultivar o conhecimento de seu mais famoso discípulo, embora dificilmente tenha ignorado a existência de Oscar Wilde, que já era uma celebridade antes mesmo de sair de Oxford.
Por volta de 1880, Wilde - que abraçara com entusiasmo os "dogmas" do esteticismo, assumindo o papel de intelectual "almofadinha" e ocioso, de homem de espírito encarregado de divertir e animar festas e eventos promovidos pela alta sociedade - passou a ser alvo de pesadas e irônicas críticas, como as caricaturas publicadas pela revista Punch (que se estabelecera como porta-voz da opinião da classe média e coordenadora da campanha de ridículo contra os estetas); a "comédia estética" intitulada O coronel, escrita por F.C. Burnand, cujo protagonista era "Basil Giorgione, Cavaleiro do lírio"; e Patience, uma ópera cômica de Gilbert e Sullivan.
Como havia intenções de levar a ópera Patience aos Estados Unidos e o público americano apenas compreenderia seus traços irônicos caso conhecesse os ideais estetas, Wilde foi convidado a fazer um ciclo de conferências sobre a doutrina da "arte pela arte" no país. Dessa forma, em 1882, Oscar Wilde aportou em Nova York, dirigindo-se posteriormente a outras cinqüenta ou sessenta cidades do oeste. Devido à sua habilidade retórica e persuasiva, Wilde, que chegara aos EUA como uma personalidade engraçada, se não conseguiu convencer os americanos a adotarem suas idéias, ao menos conquistou seu respeito.
Retornando à Inglaterra com a reputação fortalecida, o escritor, que já contava com a ampla aceitação de seus Poemas (1881) e da fama decorrente dessa obra, começou a trabalhar como jornalista, editando a publicação The Woman's World e escrevendo artigos de crítica para diversos jornais.
Em 1884, Wilde casou-se com Constance Lloyd, que lhe deu dois filhos, Cyril e Vyvyan. Constance aderiu aos entusiasmos estéticos de seu marido, chegando a defender em comício a reforma do vestuário feminino.
Entre 1882 e 1888, escreveu pouco, fazendo, no entanto, freqüentes visitas a Paris. Na capital francesa, o escritor teve contato com autores como Flaubert e Baudelaire e com a principal corrente literária européia da época, a escola "decadente" francesa, cujo breviário era o livro À rebours de Huysman, publicado em 1884.
Sua produção literária foi retomada em 1888, com a coletânea de contos O príncipe feliz e Outras estórias, a qual foi seguida, após três anos, pela publicação de O crime de lorde Artur Savile e Outras estórias. O êxito desses títulos estimulou a ambição de Wilde, resultando no seu primeiro e único romance, O retrato de Dorian Gray (1891). Essa obra foi uma espécie de mate rialização ou de comunicação dos ideais de seu autor, consistindo na primeira indicação, embora não expressa, de seu homossexualismo (o escritor teria sido iniciado em práticas homossexuais em 1886, por Robert Ross).
O ano de 1891 foi decisivo na vida de Oscar Wilde, que já tinha se firmado como escritor consagrado e exercia um encanto quase irresistível sobre as pessoas que o rodeavam, de forma que o esteta costumava freqüentar círculos sociais onde seus hábitos e pensamentos eram reprovados. Nesse mesmo ano, Wilde foi apresentado - pelo poeta wykehamista, oxfordiano emérito e homossexual Lionel Johnson - ao Lorde Alfred Douglas (chamado de Bosie por seus colegas), com quem passaria a manter um intenso relacionamento.
Bosie e Wilde passaram a ser vistos juntos em diversos lugares e, apesar de controvérsias acerca do fato de terem sido amantes, Bosie - jovem arrogante, egoísta e exigente - procurava se comportar como se realmente o fossem. A longo prazo, Wilde passaria a ter sérios problemas financeiros devido às exigências de seu companheiro, que esperava ser suprido dos bens e ca prichos mais caros e receber dinheiro sempre que pedisse. André Gide, que certa vez encontrou o "casal" em Biaskra (norte da África), onde passavam férias, descreveu Bosie como uma pessoa "cínica, egoísta e terrível". Contudo, a suposta sordidez do jovem, embora tenha contribuído para arruinar a vida do escritor irlandês, compeliu-o a experimentar um dos únicos gêneros literários capaz de proporcionar suficiente retorno material - o teatro.
Dessa forma, em 1892, foi representada no teatro St. James de Londres a comédia O leque de lady Windermere, que, devido à sua sofisticação e espírito, consistiu num triunfo para Wilde. Aproveitando a onda de sucesso, em 1893 foi encenada Uma mulher sem importância. No intervalo entre essas duas peças, Wilde começou a ponderar a possibilidade de levar aos palcos o drama de Salomé, escrito em francês durante uma de suas visitas a Paris, no ano de 1891. Na montagem de Wilde, salpicada com requintes de satanismo, Salomé, num êxtase de necrofilia, beija em cena a cabeça decepada de João Batista. Sarah Bernhardt chegou a se interessar pela produção de Salomé em seu próprio teatro. No entanto, a atriz acabou desistindo de comprar os direitos de representação do drama, que à época lhe custariam trezentas ou quatrocentas libras (cerca de dez anos mais tarde, porém, Sarah Bernhardt deve ter experimentado alguns momentos de remorso, já que aquelas trezentas ou quatrocentas libras que teria pago por Salomé estariam valendo aproximadamente 30 ou 40 mil libras). As tentativas iniciais de encenação do drama foram frustradas, mas a peça foi impressa em Paris em 1893 e traduzida para a língua inglesa (por Lorde Alfred Douglas) em 1894. Apesar de algumas desilusões com Salomé, Wilde obteve grande sucesso com outras duas comédias de costumes, Um marido ideal e A importância de ser Prudente.
Animado pelo êxito de suas peças e no ápice de sua carreira, Oscar Wilde partiu em férias para o norte da África acompanhado por "seu rapaz", ignorando as advertências e proibições do opulento e cruento Marquês de Queensberry (pai de Bosie), o qual queria, a qualquer custo, ver o filho longe da "péssima companhia" do "pervertido e corruptor" escritor irlandês. As investidas contra as exigências do velho marquês acabaram resultando num cartão escrito por esse, deixado no Albermale Club e contendo inscrições ofensivas a Wilde (chamado por ele de "sodomita"). Embora seus amigos mais próximos tenham alertado sobre as perigosas conseqüências da eventual evolução dessa divergência, Wilde decidiu, em atenção aos desejos de Bosie, mover uma ação criminal por injúria contra o Marquês de Queensberry.
Contudo, o feitiço virou contra o feiticeiro e, com base em indícios retirados da interpretação de suas obras e em testemunhos de pessoas que tiveram, de alguma forma, acesso à rotina e aos costumes sexuais do escritor, Oscar Wilde foi condenado a dois anos de prisão com trabalhos forçados. Tendo passado por dois julgamentos - no primeiro o júri não alcançou um acordo e o acusado ficou sob liberdade assistida -, Wilde teve a oportunidade de fugir, mas optou por permanecer na Inglaterra e encarar a acusação, o escândalo e a iminente condenação.
Os primeiros seis meses da pena foram cumpridos na prisão de Wandsworth, onde Wilde, que sempre fora acostumado a uma rotina macia e luxuosa, recebeu um tratamento desumano. Depois, devido ao esforço de alguns amigos, foi transferido para o cárcere de Reading, em que a atmosfera aparentava ser mais acolhedora. Durante esses dois anos, Oscar Wilde sofreu intensamente, dando sinais de alienação, quase não falando e apresentando grande apatia. O Oscar Wilde "iluminado, radiante, rico, grandioso, belo, exalando alegria e distinção", descrito por Gide quando do encontro em Biaskra, não existia mais. Seus filhos e sua mulher, sucumbindo a fortes pressões sociais, substituíram o sobrenome Wilde por Holland.
Sua vida dera um salto para o inferno, onde, contudo, Wilde encontrou um espaço para reflexão acerca dos valores que cultuara até então. Foi na cela que escreveu a comprida carta a Bosie, posteriormente intitulada De profundis, que demonstra, com clareza, a generosidade essencial do escritor. De acordo com Albert Camus, em seu ensaio "O artista na prisão" ( A inteligência e o cadafalso e outros ensaios, editora Record), " De profundis não é nada além da confissão de um homem que admite ter-se enganado completamente, tanto sobre a vida quanto sobre a arte, à qual desejou dedicar sua vida exclusivamente. Wilde reconhece que, por ter desejado separar a arte da dor, cortara uma de suas raízes e retirara de si mesmo a verdadeira vida".
A condenação frutificou também no famoso e comovente poema A balada do cárcere de Reading, composto depois da libertação (em 1897), quando o escritor estava novamente acompanhado de seu antigo companheiro, Lorde Alfred Douglas. Esse permaneceu com Wilde até que seu dinheiro se esgotasse. Uma vez aban donado por Bosie, Oscar Wilde mudou para Paris, onde passou o restante de seus dias, atormentado por meningite associada à sífilis. Morreu a 30 de novembro de 1900, no pequeno Hôtel d'Alsace, na Rue de Beaux-Arts, logo após ter sido aceito na igreja católica romana.
Atualmente, o nome de Oscar Wilde, depois do de Shakespeare, é um dos mais conhecidos no âmbito da literatura de língua inglesa. O escritor foi tema do filme Wilde (1996), estrelado pelo ator Stephen Fry e dirigido por Brian Gilbert. Suas obras foram todas reeditadas e traduzidas para diversos idiomas e suas peças continuam sendo encenadas em vários países e adaptadas para o cinema, como é o caso de Um marido ideal, que em 1999 teve sua segunda versão cinematográfica.
Porém, mesmo sendo um dos pontos altos da literatura do século XIX, a obra do "artista das atitudes" acabou muitas vezes sendo suplantada por sua biografia em tragicidade, comicidade e excentricidade. André Gide, no livro Oscar Wilde, defende que "em vez de procurar esconder o homem atrás de sua obra, era preciso mostrar primeiramente um homem admirável e depois a própria obra se tornando luminosa".
Enfim, tomando emprestadas (novamente) as palavras de Gide para definir o grande homem que compunha o substrato de obras tão essencialmente diversas como O retrato de Dorian Gray e De profundis, pode-se dizer que "como os filósofos gregos, Wilde não escrevia sua sabedoria, mas conversava sobre ela, vivia-a, confiando-a de forma imprudente à memória fluida dos homens e gravando-a sobre a água".
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