UMA INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO ESTRUTURALISTA

Lea Silveira Sales. Richard Theisen Simanke (O). PPGFMC/UFSCar (M).



Introdução

Ao longo dos anos 50 e 60, as produções intelectuais francesas viveram o que se denominou retroativamente de momento estruturalista. Esperança de um espírito científico para as ciências humanas e contraponto à fenomenologia, o chamado programa estrutural suscitou o interesse e a dedicação de pensadores tão distintos entre si quanto, por exemplo, Jakobson, Lévi-Strauss, Lacan, Foucault, Althusser ou Roland Barthes – mesmo que alguns dentre eles tenham negado veementemente este possível rótulo. De qualquer forma, quer seja o termo estrutura recusado ou abraçado, importa que, se quisermos compreender os desdobramentos do pensamento francês assim demarcado, será difícil fazê-lo se não visitarmos a questão “que é o estruturalismo?”.

Para que essa tentativa de definição e caracterização do estruturalismo não apareça de uma forma estanque, consideramos importante problematizá-la. Realizaremos essa tarefa a partir de dois pontos: a crítica empreendida por Ricouer (1970) com respeito ao questionamento da importância da dimensão histórico-hermenêutica e os paradoxos inerentes ao estruturalismo apontados por Descombes (1979) e Derrida (1976). Esses três autores nos fornecerão três espécies distintas de crítica: uma crítica do método estruturalista, uma crítica epistemológica e outra filosófica, respectivamente.

Passamos a apresentar de forma resumida as divisões temáticas do trabalho, apresentando apenas as linhas gerais segundo as quais a reflexão foi desenvolvida.



1. Um Pouco de História

Segundo Dosse (1993), o ponto de partida do termo “estrutura” vem da arquitetura, significando a maneira como um edifício é construído. A partir do século XVII, seu uso começou a sofrer uma expansão e, por meio de uma relação com a biologia, a estrutura descreverá a forma como os componentes de um ser vivo se organizam numa totalidade. Sua ampliação para o âmbito das ciências humanas só teria ocorrido no século XIX com Spencer, Morgan e Marx – ainda que de forma sutil – e alcançado a consagração na obra de Durkheim com a publicação de Les règles de la méthode sociologique em 1895. Surge então, no início do século XX, o neologismo “estruturalismo”, desta vez, no seio da psicologia e refletindo uma postura de oposição à psicologia funcional. No entanto, o método estruturalista, em sua concepção moderna e na medida em que promove conseqüências em todas as ciências humanas, tem sua origem nos limites da lingüística, sobretudo no impulso exercido pela Escola de Praga. Nesta esteira, é Hjelmslev quem promove o estruturalismo como programa fundador ao lançar a revista Acta Linguistica em 1939. Inicia-se uma revolução epistemológica nas ciências humanas que passam a apostar no estruturalismo todas as suas fichas – elas imaginam ter finalmente encontrado aquilo que lhes garantirá um caráter verdadeiramente científico.

Essa difusão das sementes do instrumental estruturalista encontra seu primeiro solo na antropologia por ocasião do tão famoso encontro, em Nova York, entre Jakobson e Lévi-Strauss. É lá que o filósofo convertido à antropologia assiste às aulas do lingüista sobre fonologia estrutural, o que lhe conduz a formular tanto a tese de correspondência formal entre a língua e o sistema de parentesco, quanto o modelo da metodologia estruturalista. Nasce As estruturas elementares do parentesco, obra que se torna referência para o que será produzido em seguida.

Daí à hegemonia do estruturalismo como paradigma central de vários outros campos do saber, houve o passo da efervescência cultural francesa. Trata-se de uma história complexa e difusa com matizes e nuanças que promovem ora o alargamento das fronteiras, ora a restrição do campo do signo, de forma que se torna perigoso falar do estruturalismo como se este termo compreendesse uma unidade de pensamento ou mesmo uma circunscrição bem delimitada de premissas. Melhor seria falar dos estruturalismos e compreender cada um deles significa certamente ter que se debruçar sobre cada história específica.



2. Definições

Uma estrutura pode ser definida como um sistema integrado de elementos. Essa integração se dá de uma maneira específica, qual seja, se um dos elementos sofre uma mudança, todos os outros elementos serão modificados. As partes componentes dessa totalidade sistemática estão relacionadas entre si segundo leis específicas que garantem a identidade da estrutura. Esse sistema não se confunde com a idéia de organização interna de um conjunto e isso por dois motivos: 1- o sistema é imanente aos objetos considerados, o que permite a construção de um modelo que, por sua vez, torna possíveis a explicação e a previsão dos fatos observados; 2- se a idéia de organização procurava promover a inteligibilidade de um sistema por meio de um inventário de características recorrentes em diversos conjuntos observados, eliminando as diferenças que aparecem (consideradas acidentais ou apenas índices dos limites do conjunto), o estruturalismo, ao contrário, estabelece a possibilidade comparativa por outro caminho. Trata-se, agora, de evidenciar o aparecimento das diferenças e não mais de eliminá-las. As diferenças não constituem alteridades puras mas se definem de acordo com relações estruturais comuns. (Bastide, 1971 e Lima, 1970)



3. Principais Características de um Pensamento Estruturalista

Aqui, acompanhamos um estudo de Deleuze (DATA???) no qual este autor nos aponta critérios formais para que se possa definir um pensamento como estrutural: o simbólico, o critério local ou de posição, o diferencial e o singular, o diferenciante e a diferenciação, o serial e a casa vazia.



4. Estrutura e Interpretação

É a partir da hermenêutica que Ricouer tem algo a questionar sobre o método estruturalista – sua pergunta gira em torno do sentido que este método reconhece ao tempo histórico. Para formular este questionamento, ele aloca seu alvo sobre aquela que foi a primeira e a mais discutida tentativa de transpor os modelos lingüístico e matemático para as ciências humanas: a antropologia estrutural de Lévi-Strauss. O ponto central de sua análise recai sobre a relação entre diacronia e sincronia. O estruturalismo opera aí uma inversão a partir da qual a dimensão diacrônica passa a reter uma importância teórica menor do que a sincrônica. Não se trata de uma relação de oposição mas de subordinação que confere à história um incômodo segundo lugar, o lugar de algo que, ao invés de explicar, funciona como fator de perturbação.

A pergunta/crítica de Ricouer poderia, numa primeira aproximação, ser formulada nos seguintes termos: o estruturalismo consegue dar conta da dimensão histórica do sentido? Interessa-lhe apontar que, se a história tem lugar no estruturalismo é somente na medida em que é entendida como diacronia. Este filósofo - inscrito em um universo de sentido distinto - suspeita haver um tipo de historicidade não esgotado pelo conceito de diacronia. Em suas palavras: “(...) o ponto crítico será alcançado quando estivermos em face de uma verdadeira tradição, isto é, de uma série de retomadas interpretantes, que já não podem ser consideradas como a intervenção da desordem num estado do sistema.” (p. 160)

Outro objetivo de Ricouer nesse texto é procurar saber, tendo em vista as diferenças entre história de um lado e o par sincronia/diacronia do outro, como uma compreensão de tipo estrutural pode interagir com outra de tipo hermenêutico, ou seja, o que o estudo das estruturas tem a contribuir para uma compreensão interpretante e vice-versa.



5. Paradoxos do estruturalismo

5.1. A teoria da informação. Esta é uma outra fonte na qual bebem os estruturalistas. Trata-se de uma teoria desenvolvida por dois engenheiros da telecomunicação: Shannon e Weaver. Seu objetivo era otimizar o rendimento da transmissão de informação através da formalização de um sistema exclusivamente sintático que tem como ponto central a idéia de código. Este não significa o estabelecimento de correspondências entre significantes e significados, mas compreende unicamente a sintaxe interna de uma seqüência de sinais. Descombes nos mostra que existe uma evidente contradição no fato de se buscar na teoria da informação fundamentos para o estruturalismo. Ora, se por toda parte o estruturalismo apregoa a submissão do sujeito ao significante, como pode procurar solo em uma teoria cujo objetivo era fornecer ao homem um controle mais apurado da transmissão de mensagens graças a um melhor domínio sobre os fatos de comunicação?

5.2. Estrutura e signo. O centro da crítica de Derrida é sua demonstração de que todos os discursos destrutivos modernos (entre eles, o estruturalismo) atingem, em última instância, uma espécie de circularidade argumentativa. Eles procuram efetivar uma destruição da história da metafísica, mas, para realizá-la, sempre faz uso de conceitos que são intrinsecamente metafísicos. Para Derrida, “Trata-se de colocar expressa e sistematicamente o problema do status de um discurso que toma emprestado de um legado os recursos necessários para a desconstrução desse mesmo legado.” (p. 265) Ao longo de seu texto, ele vai esclarecendo como esse processo pode ser vislumbrado na obra de Lévi-Strauss. Os pontos de maior relevância nesta análise são o estudo da noção de signo, da crítica estruturalista ao etnocentrismo, da oposição entre natureza e cultura e do recurso do bricolage.



Referências

BASTIDE, R. Introdução ao estudo do têrmo “Estrutura”. In.:_____________. (org.) Usos e sentidos do têrmo “estrutura” – nas ciências humanas e sociais. São Paulo: Herder, Editora da Universidade de São Paulo, 1971.

DELEUZE, G. Em que se pode reconhecer o estruturalismo? In.: CHÂTELET, F. (org.) História da filosofia – Idéias, Doutrinas. Vol. 8 – O século XX. Rio de Janeiro: Zahar Editores, DATA????

DESCOMBES, V. Le même et l’autre – quarante-cinq ans de philosophie française (1933-1978). Paris: Cambridge University Press e Les Editions de Minuit, 1979

DERRIDA, J. Estrutura, signo e jogo no discurso das ciências humanas. In.: MACKSEY, R.; DONATO, E. (org.) A controvérsia estruturalista – As linguagens da crítica e as ciências do homem. São Paulo: Cultrix, 1976.

DOSSE, F. História do estruturalismo, v. 1: o campo do signo, 1945-1966. São Paulo: Ensaio; Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1993.

LÉVI-STRAUSS, C. A noção de estrutura em etnologia. In.:____________. Antropologia estrutural. RJ: Tempo Brasileiro, 1975.

LIMA, L. C. Introdução. In.:_____________. (org.) O estruturalismo de Lévi-Strauss. Petrópolis, RJ: Vozes, 1970.

PIAGET, J. O estruturalismo. São Paulo, Rio de Janeiro: DIFEL, 1979.

RICOUER, P. Estrutura e hermenêutica. In.: LIMA, L. C. (org.) O estruturalismo de Lévi-Strauss. Petrópolis, RJ: Vozes, 1970.


Financiamento – Agência CAPES (mestrado)



Palavra chave - Estruturalismo

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